A José Bernardo Alfama
Dentro da claridade plumbea da manhã
A Ilha, sobre o mar, lembra uma catedral.
As nuvens em silêncio imergem devagar
Qual um fumear de incenso
Num ascetismo intenso,
Num perfume subtil de velha fé cristã.
Pelas naves glaciais da brónzea catedral.
A Ilha, sobre o mar. E sobem vagamento em lágrimas banhando
A dura fronte augusta e grave dos rochedos.
Bebe em fundo silêncio a terra fulva, adusta.
A lágrima que cai;
Ea nuvem passa, vai.
Numa insondável mágoa imensa rorejando.
Em gélido suor,dos túrbidos rochedos
A dura fronte augusta.
Mas, já da opa cinzenta a Ilha se desnuda.
Beija-a com fúria o sol, dentes de fogo a comem.
O vento reduziu-lhe a trapos o lençol.
Emerge, e se acentua.
Do mar, móvel, nua,
Trânsida de tristeza, em uma angústia muda...
E, enquanto ao longe as nuvens álgidas se somem
Beija-a com fúria o sol.
Da c'roa do plató à fímbria da leveza
As árvores sem vida estorcem-se de sede.
E o sol - bem como um rei fanático, homicida, -
Fustiga-as a matar.
E ri-se ao incendiar
Os ramos - como mãos erguidas de quem reza -
E as folhas - como mãos abertas de quem pede -
Das árvores sem vida.
Em fim, o meu Navio, aos poucos, se aproxima.
Nos tristes olhos meus em lágrimas, rebrilha
A dita de ancorar após mil escarcéos.
E, pois que as nuvens vão
Fugindo na amplidão
Sem que uma gota de água enviem lá de cima.
Darei à tua sede o pranto - oh minha IIha!
Dos tristes olhos meus.
Eugénio Tavares |