I. Morna - A voz da Alma Cabo-verdiana
Eugénio Tavares, o Grande Reformador e Renovador da Letra e Música da Morna.
A Morna é originária da Ilha da Boavista. Passou depois às outras ilhas, adaptando-se e tomando a feição psíquica de cada povo, como que num gráfico de ascenção ou descenção em sua expressão artística.
Na Boavista não se elevou na linha sentimental; antes, planou baixo, rebuscando os ridículos de cada drama de amor; cantando o perfil caricatural de cada episódio grotesco, ironizando fracassos amorosos, sublimando a comédia gentílica das Moias (naufrágios de navios tão frequentes nas costas da ilha), tudo no estilo leve e arrebicado que afeiçoa a vida despreocupada do povo boavisense, o mais alegre, e o mais amorável de entre as gentes do Arquipélago. Música elegante psicatada de sorrisos finos e harmonias ligeiras.
Na Ilha Brava a terra em que os homens casam com o mar, como no poema de Pierre Loti, a dulcíssima estância da saudade, mercê da vida aventureira e trágica do seu povo a morna fixou os olhos no mar e no espaço azul, e adquiriu essa linha sentimental, essa doçura harmoniosa que caracteriza as canções bravenses. Elevou-se de riso a pranto, e finou, amorosamente, pelo portuguesíssimo diapasão da saudade.
Quem escreve estas linhas passou tardes de literatura, muito intímas, na Casa do Castelo, da família Arrobas, nesta vila, onde residiu Serpa Pinto, lendo versos de sua pobre lavra ao ilustre Governador e ao Almirante Augusto de Castilho, então de passagem na Ilha.
Eugénio Tavares
A história que inspirou o Poeta a compôr a morna "Mar Eterno", contada por José Osório de Oliveira, intelectual português que conviveu com Eugénio Tavares:
Um dia aportou à ilha Brava o iate Fabulous. Uma jovem americana acompanhava o pai, em viagens de estudos e recreio. Eugénio, belo moço de tez branca, gentleman de porte distinto mas sem meios de fortuna e cabo-verdiano, apaixonou-se e foi correspondido. Foi o primeiro dos grandes amores da sua vida. Mas, no dia em que o americano descobriu a paixão romântica da filha, o iate pela calada da noite levantou o ferro e desapareceu no horizonte sem que o jovem pudesse despedir-se da sua amada. Eugénio, pela manhãzinha, como era seu costume, dirigiu-se ao miradouro da Cruz Grande para rever a Furna e o Fabulous. Perante a Furna deserta, Eugénio revolta-se e inconsolável recorre como era seu hábito à sua guitarra e compõe o Mar
Eterno - Canção ao Mar (ver à direita).
Este caso impressionou profundamente a alma romântica dos cabo-verdianos, povo de sensibilidade bastante para compreender os dramas de amor. As vozes da ternura e do sonho da população acarinharam o poeta nessa prisão liquida que o separava do mundo. Surgiu assim a Canção ao Mar, o Mar Eterno para o povo, cuja música trazia um acento de inultrapassável nostalgia. Estavam criadas as condições para os grandes voos líricos do poeta. Seguem as suas melhores composições. O amor, a mulher, a saudade são temas que o vão imortalizar. Estava vencida a lei da morte por Eugénio Tavares. Este é o testemunho de José Osório de Oliveira e Augusto Casimiro em conferências literárias, proferidas em Lisboa em 1944, catorze anos após a sua morte, bem como dos familiares e bravenses que viveram nessa época.
José Osório de Oliveira
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Estudos sobre o Mar Eterno, publicados em 1944 |
Os Miradouros da Ilha Brava – O Miradouro da Cruz Grande, local de inspiração para o Mar Eterno.
Quem subir ao Monte das Fontainhas, o Pico mais alto da Ilha Brava, consegue ver esse Rochedo na sua totalidade e contemplar o mar imenso que banha e envolve a Ilha. Nos dias mais claros e de boa visibilidade o espectáculo é impressionante.
Mas, para quem não consegue lá chegar numa caminhada bem difícil, basta visitar um dos muitos pontos mirantes para se consolar com esse espectáculo. São muitos os miradouros públicos, entre eles o Miradouro do Monte, o do Cutelo das Mentiras e o da Cruz Grande, estes nas proximidades da Vila Nova Sintra e os mais bonitos e consagrados pelo Povo da Brava.
O Miradouro da Cruz Grande é sem dúvida o mais simbólico por ser uma porta de saída da Vila Nova Sintra, para o porto da Furna. O Miradouro é um palco e a enorme plateia são os vales profundos que acabam na Baia da Furna. A Furna é uma pequena concha de um mar azul sem igual, teatro de tantas partidas bem choradas e de tantas chegadas alegres e de abraços apertados. Avista-se por terra, numa distância de 5 quilómetros, uma estrada com noventa e nove curvas ou um caminho pedonal bem mais curto passando por Santa Bárbara, aldeia romântica e de casinhas brancas dominadas pela capelinha de Santa Bárbara. A Ilha do Fogo agiganta-se com seu Vulcão bem à nossa frente, podendo-se identificar a Cidade de São Filipe a uns dezoito quilómetros de mar. O Miradouro da Cruz Grande é na realidade uma sala de visita de onde uns partem e outros chegam. Aí se esperou, desde tempos imemoráveis, os marinheiros e emigrantes de toda a parte do mundo. Aí o Povo se reunia em orações de Cantaluz quando, desesperados, não se vislumbravam as velas dos seus navios que vinham das Américas com algum atraso. Aí o Povo apupava o “sello” quando as velas brancas despontavam no horizonte, às vezes nem sempre de navios mais esperados. Ainda hoje é um ponto de encontro e de espairecer para toda a gente e onde se espreitam os barcos que chegam e que partem. Pares românticos são frequentes visitantes desse miradouro.
Reza a lenda que Eugénio Tavares durante uns tempos esperou Kate no Miradouro da Cruz Grande pela manhãzinha, e aí trocavam afectos amorosos e entravam na Vila Nova Sintra em dias de grande felicidade. O tempo foi de promessas de casamento sem consentimento do pai. Aí um dia o poeta pela manhã não viu fundeado na Baia da Furna o iate Fabulous que partira traiçoeiramente para sempre e pela calada da noite. No Miradouro da Cruz Grande, Eugénio, perante a Furna vazia viu os seus sonhos e a sua maior paixão naufragar num mar de desespero e de mágoa. Percebeu que não bastavam os seus dotes para chegar a Kate e que faltava ter dotes de fortuna para cativar o seu pai. Na pujança dos dezoito anos ainda hoje se diz ter sido a sua primeira paixão e o drama que inspirou um dos seus mais lindos versos – O Mar Eterno.
Segundo os seus biógrafos este caso impressionou profundamente a alma romântica dos cabo-verdianos, povo de sensibilidade bastante para compreender os dramas de amor. As vozes da ternura e do sonho da população acarinharam o poeta nessa prisão liquida que o separava do mundo. Surgiu assim a Canção ao Mar, o Mar Eterno para o povo, cuja música trazia um acento de inultrapassável nostalgia. Estavam criadas as condições para os grandes voos líricos do poeta. Seguem as suas melhores composições. O amor, a mulher, a saudade são temas que o vão imortalizar. Estava vencida a lei da morte por Eugénio Tavares. Este é o testemunho de José Osório de Oliveira e Augusto Casimiro em conferências literárias, proferidas em Lisboa em 1944, catorze anos após a sua morte, bem como dos familiares e bravenses que viveram nessa época.
KATE, o primeiro grande amor de Eugénio Tavares
Figura quase lendária na vida de Eugénio Tavares, a jovem Kate aportou à Brava num iate acompanhada pelo pai em viagem de recreio. Segundo João José Nunes e a voz do Povo da Brava na sua tradição oral, esta teria sido a primeira grande paixão do poeta. O drama vivido inspirou Eugénio que além de lhe dedicar O Mar Eterno, também conhecida por Canção ao Mar, dedicou a Kate um lindo soneto. Perante a fuga de Kate o jovem Eugénio ficou ciente da sua falta de preparação para assumir um casamento e constituir família. Foi mais uma razão que o leva a seguir para São Vicente à procura de um rumo para a sua vida. Em São Vicente, emprega-se numa Casa Comercial que representava o consulado dos EUA, cujo proprietário era primo de seu pai adoptivo Dr. José da Vera Cruz. Aí mandaria publicar o soneto Kate em 1888
O Ambiente da Morna, ambiente testemunhado pelo escritor Cabo-verdiano Manuel Lopes
Desse mimoso poeta crioulo, guardo esta memória íntima: uma saleta confortável, onde o vi pela primeira vez: (quando da sua derradeira visita a S. Vicente), violões e guitarras em mãos de gente moça, e êle, ensaiando, com a graça pedagógica de benevolente mestre-escola, uma morna mais recente. Simpático velho-moço, olhos sorridentes de criança, cabelos ao alto em desalinho, testa enorme que fazia lembrar Hugo, campo de golf da sua inteligência, aspecto robusto, com o seu que de homem de estudo.
« Eugénio desaprecia as formalidades e a pragmática. É homem da intimidade, dos ditos que sabem a mel. Uma graça contagiosa. Alegria sob a qual flutua uma tristeza orgânica; mas nele tudo é expontâneo e sincero.
Nem ambições, nem grandezas, nem exibicionismo: moderação.»
Eugénio compunha as suas mornas entre raparigas e rapazes. Espírito novo, côr-de-rosa, Eugénio era um inverno primaveril, sem neve, mas com flôres e sol. Na verdade costuma dizer-se, os poetas não envelhecem. Compunha as suas mornas entre a alegria e o Sol da mocidade. A Brava é a terra de raparigas e flôres, as flôres e as raparigas mais bonitas de Cabo Verde. Era ali entre tão belos modelos, que vivia e cantava o belo poeta, o velho-môço sultão.
Manuel Lopes
A Morna perante o Fado, num ensaio do músico e intelectual Cabo-verdiano, Vasco Martins.
A importância de Eugénio Tavares na Morna é sobejamente conhecida: foi ele um dos primeiros compositores a "catalizar" as heranças da morna primordial da Boa-Vista, onde provavelmente nasceu (ele, Eugénio, afirmava isso) e as influências do ultra-romantismo português e do fado.
Eugénio compunha as suas mornas numa guitarra portuguesa, era um apaixonado pela poesia camoniana e da época. A influência do fado é notória, sem evasivas. Mas a sua personalidade de cabo-verdiano e as forças "mestiças" desta pequena civilização fizeram, é claro, que as influências se tornassem num estilo de morna caracterizado (aliás talvez Eugénio foi o primeiro compositor a ter um estilo de morna próprio e de continuidade, solidificando a "morna bravense" que influenciaria todas as ilhas, inclusivé a ilha da Boa-Vista).
Foi na poesia crioula que Eugénio mais se notabilizou, pela construção de um estilo, um dos primeiros compositores a sistematizar a "sodade", a "partida" e que compôs a primeira morna dedicada à "hora di bai".
As mornas de Eugénio têm sempre um cunho melancólico e com ele a morna "dramatizou-se".
Vasco Martins
MORNAS - CANTIGAS CRIOULAS EM LIVRO
Um testamento deixado por Eugénio Tavares
Estamos na Primavera de 1930 e no Outono, Eugénio iria completar 63 anos, a 18 de Outubro. O Poeta sente-se doente como confessou ao seu amigo o poeta português José Osório de Oliveira que estava de passagem pela Brava.
Compilou cuidadosamente uma série de suas mornas mais significativas "em crioulo" e preparou um prefácio em termos bíblicos, mesmo proféticos e assinou Nova Sintra Março de 1930.Traduziu os versos "Engetadinha" de João de Deus e incluiu como Dedicatória.
Para dar relevo à sua Língua Nativa, ao Crioulo de Cabo Verde, não foi incluída qualquer composição em Português.
Entregou tudo ao amigo com pedido de publicação em Lisboa, por não se sentir com coragem de tratar da edição na Cidade da Praia.
Osório de Oliveira, garantiu a publicação e o pedido pareceu-lhe um autêntico "testamento", de quem algo de importante queria deixar antes da sua morte mas nunca supôs o que viria acontecer.
Decorrido dois meses, a 1 de Junho, o poeta morria na sua casa da Vila Nova Sintra.
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Capa do livro "Mornas - Cantigas Crioulas", 1ª Edição Fevereiro de 1932 |
Em Fevereiro de 1932 a Livraria J. Rodrigues & Ca.- Editores, de Lisboa, publicava em vinte exemplares o livro Mornas - Cantigas Crioulas (imagem acima), onde se lia:
"A publicação deste livro deve-se à iniciativa e aos cuidados de Osório de Oliveira. Esta edição foi composta e impressa em Lisboa, no Centro Tipográfico Colonial, durante o mês de Fevereiro de 1932, para J. Rodrigues & Ca. da Rua do Ouro, 186, 188, tendo-se feito uma tiragem de vinte exemplares numerados em papel especial.
Índice
Prefácio do autor (Eugénio Tavares)
Dedicatória - Engetadinha (de João de Deus)
Mornas:
Morna de Aguada, Força de Cretcheu, Ná, ó Menino Ná, etc.
(num total de 25 mornas)
Manidjas
Bárbara, Bonita Scraba (de Luís de Camões)
Postfácio alheio (de Osório de Oliveira)
No prefácio o poeta deixava à posteridade a profecia explicativa do fenómeno da Morna
Na Dedicatória enaltecia a valência da sua Língua Nativa a ponto de poder traduzir um dos grandes do romantismo português como João de Deus.
Não contente com o sucesso do Crioulo na tradução de João de Deus chega aos confins do seu sonho traduzindo a Barbara Escrava de Luis de Camões.
Foi de facto um testamento, uma profecia, uma bíblia, esse pequeno livro que teoriza e explica a Morna como ninguém fê-lo outra vez até hoje, decorridos 75 anos."
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Capa do livro "Mornas - Cantigas Crioulas", 2 ª Edição da Liga dos Amigos de Cabo Verde, Luanda, editado em Novembro de 1969 |
II. Morna - A voz da Alma Cabo-verdiana na Língua Crioula
A Força de Cretcheu
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Ca tem nada na es bida
Mas grande que amor
Se Deus ca tem medida
Amor inda é maior.
Maior que mar, que céu
Mas, entre tudo cretcheu
De meu inda é maior
Cretcheu más sabe,
É quel que é di meu
Ele é que é tchabe
Que abrim nha céu.
Cretcheu más sabe
É quel qui crem
Ai sim perdel
Morte dja bem
Ó força de chetcheu,
Que abrim nha asa em flôr
Dixam bá alcança céu
Pa'n bá odja Nôs Senhor
Pa'n bá pedil semente
De amor cuma ês di meu
Pa'n bem dá tudo djente
Pa tudo bá conché céu
Eugénio Tavares
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Hermano de Pina regressava à Brava, sua terra natal, após a licenciatura em Medicina. Um dia cruzou-se com uma senhora, bravense de rara beleza, que o deixou fascinado. Do fascínio a uma grande paixão foi um sonho muito bonito. Da paixão ao grande amor da sua vida, foi outro sonho bonito.
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Hermano de Pina, médico bravense, foi um dos filhos da terra que, cursado em Portugal, regressou à sua Ilha natal para ajudar o seu povo. Exerceu Medicina e com muto brilho o Professorado. Trabalhou ao lado de Eugénio Tavares e foi um dos maiores colaboradores da Obra deixada pelo Poeta no campo da instrução e preparação da juventude. |
Envolvido num grande drama de amor, Hermano confidencia com Eugénio Tavares, seu grande amigo, que o premeia com uma das suas belas composições.
O Poeta que mais divinizou a mulher e o amor encontrava assim uma expressão máxima de beleza e de amor para a sua inspiração criando uma das mais lindas mornas de sempre. Numa terra onde o povo sempre rodeou o poeta na sua inspiração e acarinhou os filhos mais dilectos, juntou-se a essa linda história de amor dando uma moldura ao drama.
Numa ilha bonita, um povo amoroso, um par enamorado para sempre, um grande poeta, escreveram uma página romântica que ficará para sempre na memória dos caboverdeanos. Os estudiosos de Eugénio Tavares terão um dia de se debruçar sobre este par singular, qual Paulo e Virgínia numa ilha encantada. De facto, "ca tem nada na ês bida más grande qui amor".
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"D. Aninhas", a Musa que apaixonou Hermano de Pina e inspirou o Poeta Eugénio Tavares, é um dos simbolos máximos da beleza da Mulher Bravense. |
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Informações adicionais |
Canção ao Mar - Mar Eterno
Oh mar eterno sem fundo sem fim
Oh mar das túrbidas vagas oh! Mar
De ti e das bocas do mundo a mim
Só me vem dores e pragas, oh mar
Que mal te fiz oh mar, oh mar
Que ao ver-me pões-te a arfar, a arfar
Quebrando as ondas tuas
De encontro às rochas nuas
Suspende a zanga um momento e escuta
A voz do meu sofrimento na luta
Que o amor ascende em meu peito desfeito
De tanto amar e penar, oh mar
Que até parece oh mar, oh mar
Um coração a arfar, a arfar
Em ondas pelas fráguas
Quebrando as suas mágoas
Dá-me notícias do meu amor
Que um dia os ventos do céu, oh dor
Os seus abraços furiosos, levaram
Os seus sorrisos invejosos roubaram
Não mais voltou ao lar, ao lar
Não mais o vi, oh mar
Mar fria sepultura
Desta minha alma escura
Roubaste-me a luz querida do amor
E me deixaste sem vida no horror
Oh alma da tempestade amansa Não me leves a saudade e a esperança
Que esta saudade é quem, é quem
Me ampara tão fiel, fiel
É como a doce mãe
Suavíssima e cruel
Nas mágoas desta aflição que agita
Meu infeliz coração, bendita!
Bendita seja a esperança que ainda
Lá me promete a bonança tão linda
Eugénio Tavares
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A Morna vista por José Osório de Oliveira*
"Morna é o nome que designa, ao mesmo tempo, a dança e as canções típicas de Cabo Verde. Ritmo do baile, palavras e música das canções, são coisas inseparáveis. Não se trata, com efeito, duma dança acompanhada de palavras como qualquer outra. O facto do povo de Cabo Verde dançar a morna cantando (repare-se que não se trata duma dança de roda), indica, claramente, que, para ele, gestos, letra e melodia são formas indistintas do mesmo ritmo interior.
Nunca, com efeito, a alma de um povo encontrou, tão perfeitamente, a sua expressão, numa única manifestação de arte. Cabo Verde não tem, de facto, mesmo em estado rudimentar, artes plásticas e decorativas que caracterizem a sua gente. Quanto à literatura e à música, todas as suas manifestações peculiares tomam a mesma forma.
Pode afirmar-se, portanto, que a morna resume em si todos os sentimentos e condensa todas as aspirações artísticas dos cabo-verdianos."
José Osório de Oliveira
* José Osório de Oliveira, intelectual português que viveu em Cabo Verde ao tempo de Eugénio Tavares. Em vida, Eugénio entregou-lhe o manuscrito das " Cantigas Crioulas" que, após a morte do Poeta, mandou publicar. O volume foi publicado em Lisboa, na Livraria Rodrigues, em cerca de 1932.
Postfácio alheio, da Edição Angolana
Ao espírito rutilante de José Osório de Oliveira, que foi grande amigo de Cabo Verde, se ficou devendo a publicação, em Fevereiro de 1932, da primeira edição de «MORNAS - CANTIGAS CRIOULAS», essa fonte de consulta e informação que nos legou um dos maiores expoentes da cultura caboverdiana. De há muito se esgotou essa edição, enfileirando-se entre 05 livros que hoje constituem raridade bibliográfica.
O seu autor, depois de uma vida de intensa luta, inteiramente devotada à defesa intransigente dos interesses da terra e suas gentes, de que as suas «CARTAS CABOVERDEANAS» são vivo testemunho, e à integral reabilitação do seu nome honrado, que a incompetência e a malvadez de certos homens quiseram conspurcar - «quanta vez, na desordem, na imoralidade e na indisciplina que então reinava na gafaria fazendária», no seu próprio dizer - recolheu-se ao convívio fraterno e despreocupado da gente adorável e amável da sua ilha, com quem sempre se identificou.
Ali aguardou, serenamente, e com aquela tranquilidade que dá a consciência do dever cumprido, o fim dos seus dias, compondo e escrevendo os versos das suas mornas.
Agora que transcorre o 102º aniversário do seu nascimento, a LIGA DOS AMIGOS DE CABO VERDE, em comemoração da efeméride resolveu reeditar esse livro, com uma pequena adenda, incluindo o que pôde recolher, para, com o produto líquido da sua venda, encabeçar uma subscrição pública que se propõe se realize em Cabo Verde, destinada à aquisição de um busto de Eugénio Tavares, a erigir no jardim da Vila de Nova Sintra, que tem o seu nome inesquecível.
É hábito ser-se generoso para com a memória dos mortos.
Mas no caso de Eugénio a generosidade seria uma ofensa que, lá dos páramos da luz onde repousa, não agradeceria a ninguém.
Antes fazemos eco de uma iustíssima homenagem que tem, estamos certos, o voto incondicional e perene de 200 000 caboverdianos, tal ri sedução mágica desse «génio estranho» como lhe chamou um sociólogo inglês que, em tempos, visitou Cabo Verde e se deslocou à Brava para conhecer o poeta.
Podemos afirmar que dessa visita de estudo resultou um livro, em que vários poemas de Eugénio nele inseridos, são comentados,com admiração pelo desassombro e pela riqueza de ideias do poeta, que, em muitos casos, transcendem as fronteiras do comum.
Eugénio foi sempre grande, quer empunhando a pena em defesa da sua dignidade e dos interesses das ilhas, quer empunhando a lira, na exteriorização da índole e dos sentimentos do povo caboverdiano.
O estudo sério da sua obra, julgamos constituir uma necessidade que os intelectuais caboverdianos, devem encarar a bem das letras do arquipélago. Aqui fica o alvitre, aguardando o primeiro cabouqueiro.
Luanda, Novembro de 1969
LIGA DOS AMIGOS DE CABO VERDE.
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A Morna, "Força de Cretcheu"
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O Poema máximo da Lingua Crioula, "Força de Cretcheu", pelo punho de Eugénio Tavares |
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