A velhice de Eugénio Tavares - Bidjiça
Eugénio tem agora sessenta e dois anos de idade. Está precocemente envelhecido. Porém a sua alma continua jovem e apaixonada. Entretanto continua a compôr e a viver da escrita com grande intensidade. Cada vez se dedica mais à sua propriedade de Aguada, então já herdada de seu pai e chega a cultivar o isolamento. Nem sempre está na Vila Nova Sintra ou no Jardim Eugénio Tavares cultivando as suas flores. Data dessa altura a génese de duas das suas melhores composições, as mornas "Bidjiça" e "Nha Santana".
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O Poeta aos 62 anos de idade |
A morna "Bidjiça" nasceu de uma grande paixão que o poeta teve, já no declínio da vida, por uma esbelta rapariga, ainda quase criança. Conta-se que um dia à tarde o poeta saiu da sua casa da Pé da Rocha com destino a Ponta Achada, onde morava a sua amada, a qual, embora aceitasse a presença de Eugénio, não o amava, por razões fáceis de compreender. Além da grande diferença de idades, devia, como todas as raparigas, ter o seu namorado. No trajecto para Ponta Achada, depois de já ter andado um bocado, Eugénio vê à janela uma sua comadre. Esta que já sabia da paixão senil do poeta, pergunta-lhe com sarcasmo amigável.
Compadre para onde vai? Vou dar um passeio à Cruz das Almas - respondeu Eugénio tentando disfarçar o destino que levava. A comadre que se não deixou enganar no destino disse-lhe. Compadre, bidjiça, é uma mostra certo e Nhó cu´és amor di barbaton. Eugénio não ripostou e seguiu o seu caminho, pensando na resposta que havia de dar à comadre para lhe provar que ele não estava tão velho como ela o considerava. e então compôs a morna "Bidjiça" que atingiu o auge da popularidade. Entretanto, a rapariga seguia para os Estados Unidos em companhia dos pais e o poeta caía numa profunda mágoa e desolamento.
Tempos depois, ela deixou Eugénio saber que queria regressar, mas este, ainda ferido mas resignado, pegou na sua guitarra e compôs a morna "Nha Santana", recusando recebê-la de volta.
Francisco Lopes da Silva
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Morna Sant'Ana - Manuscrito original do poeta |
Morna de bijiça
Bidjiça é um amostra certo
Pâ no conta co morte perto:
Mas, sol de entardecer de idade,
Sol brando é el, sol de sodade.
Sol brando ca ta quêma.
Pele de rosto de nha crectheu.
Sol brando, el é sol de gosto
Pa ta lumiano porta de céu.
Amor é quel que ama co gosto:
Na boca mel, lebe na peto...
Amor é mar qualdo el estli manso:
Guemê co gosto, amá na descanço.
Mar manso é quel mar de nadâ,
Mar brabo é quel mar de matâ
Amor, ai! quando el ê mar brabo,
Se el ca matal el ta derrubado...
Amor, depois de um certo idade,
Quando el sintâ co companhero,
Ninguém câ tâ erguê promero,
Sem que to dós mata sodade...
Sintâ junto, labantâ junto,
Es ê que ê sabe, es ê que ê dreto...
Sintâ co amor, gosâ co assunto,
Coraçam lebe, graça na rosto...
Cretcheu é na debagarinho,
Na paz, na graça, na getinho:
Amor, pâ bo sentil sê gosto,
É na sombrinha de sol posto...
Mas, quando el é de barbatón,
É sem valor, sem tom nem som...
Nha fidjo obi, obi um consejo:
Amor más doce, é amor de bejo...
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