A Sociedade Bravense ao tempo de Eugénio Tavares
A Ilha Brava foi tardiamente povoada depois de a Ilha do Fogo e da Ilha de Santiago. Isso resultou em benefício de uma população muito equilibrada através dos tempos. A miscigenação e a questão racial foi também equilibrada e ainda hoje alguns se admiram em termos de beleza e de vivência como a cultura europeia e a africana deram os mãos num resultado único em todo o arquipélago. O racismo nunca teve grande expressão na Ilha Brava e uma saudável convivência racial chegou aos nossos dias 4 séculos depois. Exemplo desse facto são as imagens que se encontram abaixo.
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Piquenique na Praia de Aguada,
nas imediações da casa do Poeta Eugénio Tavares |
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Aspecto da sociedade bravense ao tempo de Eugénio Tavares
Familiares do Poeta, reunidos em momentos de lazer |
Relativamente à fotografia acima, que saibamos, no ano de 2009 apenas se encontra viva a menina sentada do lado esquerdo, na primeira fila, Celeste Aurora de Faria Monteiro Gomes, Nha Celeste, viúva de Ivo Ideal Monteiro Monteiro Gomes, Nho Dádá e mãe de Memena, Dina, Lisete e Júlio Pedro Gomes todos residentes em Brokton, Massachusetts, EUA.
A Celeste está ao lado de sua mãe; a seguir está Maria Augusta de Senna Azevedo, Eva Leite, Henriqueta de Senna Azevedo e D. Clotilde, cunhada de Nho João da Graça, funcionário dos Correios.
Na fila traseira encontra-se Edite de Senna Azevedo, seu primo Capitão Alberto de Senna, Senhor António Mourão, metropolitano e professor primário na Brava, com o seu filho ao colo. A seguir está sua mulher, D. Maria da Glória, também professora primária durante mais de vinte anos na Ilha Brava. A seguir está João da Graça, Nho João da Graça, chefe dos Correios com o seu filho Octávio ao colo, este já falecido na Holanda. Depois deste está D. Abelamia de Senna Azevedo, prima do Capitão Alberto de Senna, seguida da esposa de Nho João da Graça, cujos filhos Aline, Celina e João Armando ainda vivem na Brava.
Edite, Abelamia e Maria Augusta eram sobrinhas de Sebastião José de Senna, comandante da marinha mercante e de sua mulher Henriqueta Tavares de Senna, irmã de Eugénio Tavares e por conseguinte sobrinhas por afinidade do Poeta.
Quem hoje se dirije do Miradouro do Castelo a caminho do Lém, ficando Ponta Baixo à sua direita, encontra a primeira casa que é de Nho João da Graça e logo em frente a dos Senna Azevedo, no quintal da qual foi tirada esta fotografia.
Conta-se que Edite de Senna Azevedo, como era vulgar entre as famílias bravenses, estava prometida para casamento ao Capitão Alberto de Senna, o que não chegou a acontecer pois este, na primeira ou segunda viagem entre Providence e Brava, desapareceria com o navio John Manta numa das maiores tragédias da História Tragico Marítima de Cabo Verde (ver mais informação abaixo nesta página).
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A Família Senna Martins celebrando o Dia de Todos os santos, numa tradicional merenda na sua propriedade, em Cova Galinha |
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Família Senna-Martins durante a merenda, no dia de todos os Santos.
Note-se a convivência familiar, que é extensiva aos empregados, dando um exemplo de como na sociedade bravense era saudável o relacionamento entre as diferentes classes sociais. |
CONSTRUÇÃO NAVAL NA ILHA BRAVA
Cerca de vinte navios, veleiros, em casco de madeira, foram construídos na Ilha Brava, no Porto da Furna, entre os anos 1900 e 1950. Destinavam-se ao transporte de passageiros e carga entre as Ilhas. Alguns tinham capacidade para viajar entre Cabo Verde e a Costa de Africa. O último exemplar ainda existente denominado Carvalho, lançado ao mar em 1938, encontra-se arrastado no Porto Grande em São Vicente e parece resistir, esperando completar os setenta anos de vida, dentro de três anos.
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"Carvalho vai ao Mar, 27 Fevereiro de 1938" |
A arte de fazer navios é um exemplo do progresso conseguido na Ilha Brava, terra onde houve homens notáveis não somente nas Letras mas também nas Artes e Ofícios. Muitos desses navios embelezaram os portos em Cabo Verde e cruzaram os seus mares ainda nos anos 50. Quem não se lembra do "Senador Vera Cruz", "Marlene", "Nova Sintra", "Santa Clara" e tantos outros.
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O lançamento ao mar do navio "Carvalho", em 1938 |
HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA DE CABO VERDE
Cabo Verde, nação surgida no meio do mar, possui uma prole imensa de autênticos heróis do mar que escreveram, em letras de ouro, páginas gloriosas da história da sua terra.
O Homem Cabo-verdiano muito cedo se fez aos mares nas ligações a Portugal, Brasil, Costa Africana e até à Nova Inglaterra. Fizeram uma história de valentia em muitas fainas, desde a pesca à baleia às campanhas de exploração dos Pólos.
Mas nem sempre se chegou ao bom porto e tantas vezes a fúria do mar lhes causou lágrimas, dor e luto. Tantas e tantas tragédias aconteceram e enlutaram o Povo de Cabo Verde. Esses capitães e marinheiros são os heróis do mar e da Nação Cabo-verdiana. Nunca nos devemos esquecer do desaparecimento de John Manta e do lugre "Matilde", com cerca de uma centena de vidas perdidas.
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Alberto Senna, filho do Comandante Albertino Senna, proprietários do navio John Manta, experimentando o seu navio, na Baía de New Bedford, EUA, dias antes da malograda partida para a Ilha Brava. |
A perda de John Manta - Tragédia no Mar
A oito de Novembro de l934 o navio John Manta deixou o porto de Providence com destino a Ilha Brava. Com uma tripulação de dezanove homens, levava ainda treze passageiros incluindo três mulheres e seis crianças. Comandava o navio o seu proprietário, Albertino Senna, e seu filho, também capitão de 23 anos, Alberto Senna.
O Comandante Albertino Senna era tido como um dos mais experientes lobos-do-mar na travessia entre a Nova Inglaterra e Cabo Verde. O navio tinha passado por todas as provas de mar e beneficiou de reparações consideráveis antes da partida.
Falou-se numa grande tempestade havida na rota do John Manta.
Até hoje não chegaram à Ilha Brava e foram dados como desaparecidos.
Muitos filhos ficaram órfãos, muitas mulheres viúvas e tantas famílias no desamparo. Cumpriu-se um triste destino da vida dos ilhéus, e a Brava mais uma vez ficou banhada em lágrimas pelos seus filhos.
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John Manta, atracado na Merrill's Wharf , Novembro de 1934 |
OS BRAVENSES COMANDANTES DA MARINHA MERCANTE
1845 - Primeira Escola de Pilotagem na Furna
Por volta de 1836, o Governador-geral e o seu séquito instalaram-se na Ilha Brava, fugindo às epidemias e beneficiando do seu bom clima. Até ao fim do séc. XIX, Cabo Verde foi daí governado e a Brava tornou-se a capital cultural da Colónia.
Criou-se em 1847, na Ilha Brava, a Escola Principal de Cabo Verde. Por essa altura iniciaram na Furna as aulas de pilotagem que permitiram a preparação dos primeiros profissionais na arte de navegar. Preparados para as fainas do mar, muitas gerações de capitães e marinheiros surgiram até aos nossos dias.
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Primeiros bravenses, comandantes da Marinha Mercante, encartados no Brasil e Portugal. Contando da esquerda para a direita, o segundo, Comandante Amâncio de Azevedo; o terceiro, Sebastião José de Senna; o quarto, Fernando Martins; o sexto, Francisco Oliveira |
Esses marítimos eram encartados em Portugal, no Brasil e alguns nos Estados Unidos, desempenhando cargos com brilho e profissionalismo invulgares.
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Outro grupo de comandantes bravenses da Marinha Mercante |
Aqui fica a nossa homenagem e aguardamos que os estudiosos um dia lhes façam justiça, trazendo à luz da História de Cabo Verde a sua valentia e os seus feitos gloriosos.
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O Vapor "S. Nicolau", torpedeado no Mar do Norte, e seu comandante Amâncio José D'Azevedo |
Os últimos comandantes bravenses
Francisco Tavares de Senna, também conhecido por Frank Senna, filho de Henriqueta Tavares de Senna, era neto do comandante Sebastião José de Senna. Nascido na Ilha Brava em 1925, viria a falecer em Nova Iorque, EUA, em 1995. Frequentou o Liceu Gil Eanes em S. Vicente, e o Liceu Pedro Nunes, em Lisboa. Alistou-se como voluntário nas Forças Armadas Americanas, tendo participado na Guerra da Coreia como Militar Norte Americano. Saído das Forças Armadas, tirou o Curso de Capitão da Marinha Mercante nos EUA e exerceu o comando por vários anos.
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Francisco Tavares de Senna, 1925 - 1995 |
João José de Azevedo nasceu na Ilha Brava a 5 de Julho de 1923. Aos 82 anos vive em família na Parede, Concelho de Cascais e é o último comandante bravense ainda vivo.
Tendo estudado no Liceu Gil Eanes em São Vicente, ingressou mais tarde no Liceu Pedro Nunes em Lisboa para depois cursar a Escola Náutica de Lisboa. A sua primeira viagem seria no navio "Sofala" a caminho de Timor e Austrália após a queda de Hiroshima. Foi o primeiro navio português a reocupar Timor após a saída dos japoneses. Mais tarde, viria a navegar nas águas de Cabo Verde trabalhando como segundo piloto no Patacho "Madalan" a caminho dos Estados Unidos. Nos anos cinquenta viria a entrar para a Companhia Insulana de Navegação e por longos anos, já como comandante, ficaria a trabalhar pelos Açores, Madeira e Portugal Continental.
Já reformado, e com saudades da Terra Natal, João de Azevedo volta para Cabo Verde no comando do navio "Elsie" por mais alguns anos de contactos com a terra que o viu nascer e que a todos tanto atrai. Pertence às quatro gerações de Lobos-do-mar que a Brava viu nascer, nos fins do século dezanove e primeira metade do século XX, Homens que valorizaram a História de Cabo Verde com o seu profissionalismo e valentia tantas vezes posto à prova. Aguarda-se que a Nação Caboverdiana um dia venha honrar esses homens reescrevendo nas suas páginas de feitos e glórias estes autênticos Heróis do Mar. Esperamos longa vida para o Último Comandante Bravense.
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Comandante João José de Azevedo, nascido na Ilha Brava em 1924 |
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O Comandante João José de Azevedo , na altura Segundo Piloto navegando o Patacho "Madalan ", entre Cabo Verde e os Estado Unidos da América |
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