O Meio Cultural, o Ensino e as habilitações literárias de Eugénio
A Ilha Brava, um meio cultural de grande excepção em todo o Além Mar Português
Em Fevereiro de 1845 o bispo de Cabo Verde advogou a criação de um seminário-liceu, com internato, de 24 alunos sendo 12 destinados à vida eclesiástica. Determinou também que o seminário deveria ser colocado na Brava, no sítio denominado de Stª Barbara e que a sua construção custaria cerca de 3 contos, sendo de 1 conto a despesa anual para sustento dos alunos.
Em Novembro de 1847 instala-se a Escola Principal de Cabo Verde na Ilha Brava, por vontade da Rainha que queria ver nomeado um professor hábil, o qual pudesse habilitar rapazes que mais tarde dirigissem outras escolas a abrir. Foi nela colocado o Primeiro-Tenente Victorino João Carlos Dantas Pereira.
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Ao fundo da rua, a Escola Primária onde Eugénio estudou, em Vila Nova Sintra, Ilha Brava |
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Em Fevereiro de 1857 o Governador Geral António Maria Barreiro Arrobas preconizou um estabelecimento de instrução profissional abrindo escolas de coronheiro, espingardeiro, serralheiro e ferreiro. Pedia que abrissem aulas de pilotagem na Brava e que a escola principal anexasse o ensino comercial.
Pelos meados do século XIX, sendo a Brava residência de Governadores, os seus funcionários em ambiente de beleza e cultura leccionavam disciplinas diversas por toda a ilha Brava. Funcionaram muitos gabinetes de leitura. |
Conselheiro António Maria Barreiro Arrobas (1824-1888) |
Todo este surto de cultura encheu a ilha de intelectuais, poetas e escritores, contribuindo para a formação de Eugénio Tavares. Mas, oficialmente, até hoje, só se sabe da existência de um dos exames a que se submeteu.
O Boletim Oficial n.º 31 de 29 de Julho de 1876 diz que Eugénio ".foi examinado nas disciplinas de leitura corrente, escrita (bastardo e cursivo), subtracção, multiplicação e divisão de números inteiros, gramática recitada e doutrina cristã, tendo obtido a classificação de 18 valores".
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Uma sombra amiga para folguedos a caminho da sua Escola Primária |
Sabe-se também que o poeta teve aulas de Filosofia com José Rodrigues Aleixo, Língua Latina e Teologia com o Padre António de Sena Barcelos e outras disciplinas com António de Almeida Leite.
Os Mestres Poetas de Eugénio Tavares
A formação cultural do poeta foi influenciada por grandes vultos da cultura caboverdeana da altura, nomeadamente Guilherme Dantas, Augusto Barreto e Maria Luísa de Sena Barcelos.
Guilherme Dantas
"É isto apenas um golpe de vista sobre o perfil intectual do infortunado Dantas que a morte acaba de arrebatar, tão cedo para todos, menos para ele, que já a esperava resignado, indo quase ao seu encontro.
O seu falecimento deve necessariamente produzir na sociedade caboverdiana uma comoção penosíssima. Filho da província, nascido na ridente ilha Brava, honrava pelo talento o seu país; era uma glória literária da província inteira, que rebrilhara tanto para sumir-se tão de súbito, e para sempre!
Foi um dos mais formosos talentos que tenho admirado de perto. Da sua boca e da sua pena não despedia os clarões fugazes das inteligências mediocres, mas as fulgurações duradouras dos espíritos previligiados.
A sua argumentação projectava nas questões a luz vivida que explana e aclara, e não enovela e escurece. Tinha argumentos que petrificavam o adversário de surpreso e fulminado." Por
H.C.A.
Augusto Barreto
Nasceu na Ilha Brava por volta de 1850 tendo falecido em São Vicente com cerca de 30 anos. Poeta lírico e romântico, os seus versos maviosos e perfeitos são um grito de dôr e de saudade. Sabia-os de côr a mocidade do seu tempo. Muito pouco da sua obra é hoje conhecida mas Eugénio Tavares fala dele numa das suas belas páginas e consta ter sido um dos seus mestres.
Maria Luisa de Sena Barcelos
Senhora de raras virtudes é tida como uma das primeiras poetisas de Cabo Verde. Tendo nascido na Brava, aí viveu por longos períodos levando a tradição a admitir a sua influência na formação intelectual de Eugénio Tavares. Era irmã de Cristiano de Sena Barcelos (fotografias abaixo; genealogia à direita). Descendia de José Pedro de Sena, Capitão-Mor da Brava, enviado pelo Rei Dom José para administrar os negócios do Reino.

Acima, fotografia de Cristiano de Sena Barcelos; à direita encontra-se mais informação sobre a genealogia da família Sena.
José Rodrigues Aleixo - O Filósofo da Ilha Brava
Na altura, a Ilha Brava possuía um número considerável de pensadores - autênticos filósofos - que se dedicaram ao estudo do pensamento humano, sobretudo as escolas filosóficas da Antiguidade Clássica, e não só. Esses homens contribuíram para a formação do Poeta, mais do que todos, um deles, José Rodrigues Aleixo.
Lamenta-se que toda a obra deste filósofo tenha sido destruída pelo próprio, em momentos de doença mental que antecedeu a sua morte.
Citemos Eugénio Tavares:
"José Rodrigues Aleixo foi um grande espírito que há poucos anos se apagou nas sombrias margens do mar do Insuão, praia deserta, povoada de lendas, cheia dessa poesia com que a imaginação do povo veste certos sítios tristes, onde o perfil vetusto e pensativo dos rochedos, as guelas escuras das grutas e o azul retinto das águas concorrem para pôr sonhos tétricos nas almas dadas à poesia.
O seu talento poderoso, capaz de penetrar todos os problemas, de compreender todas as belezas, surpreendia a quantos, com faculdades de julgar, dele se aproximavam.
Viveu como filósofo, encerrado na amargura serena e nostálgica de uma existência primitiva, praticando a bondade com os homens, com as aves e com os animais, dentro de uma pureza de costumes que o fazia poeta não só na alma, senão nas acções.
Nos últimos anos da sua vida deixou o remanso deleitoso do Pé da Rocha, deixou a sombra das laranjeiras e das amoreiras; deixou as grutas revestidas de musgo em que vivia; deixou velhos tios e sobrinhos que o adoravam e foi agonizar, serenamente, lá para o extremo sul da ilha, na solitária praia do Insuão, naquela famosa gruta onde as feiticeiras iam celebrar os seus conciliábulos.
Um dia uns pescadores encontraram-no agonizante, estendido na areia húmida e negra da praia. As ondas vinham envolvê-lo carinhosamente, como que enternecidas, como que magoadas, na mortalha fresca e alvíssima das suas espumas.
Pela noite morreu, e, no dia seguinte, levaram o seu corpo frio, com os lábios mudos e os olhos cerrados para sempre, à sua aldeia. Naquela manhã a Brava vestiu-se de luto e chorou todo o dia, toda a noite seguinte, como uma mãe que chora sobre o caixão de um filho querido: começou a chover de manhã; choveu todo o dia; choveu toda a noite.
Quando o caixão era levado para o cemitério, as torrentes pelas encostas mugiam tristemente e desciam para o mar. As núvens desfaziam-se em água. A Brava chorava o seu filósofo, o seu poeta, o seu filho extremecido."
Por Eugénio Tavares
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Informações adicionais |
Genealogia da Família Sena
(Senna na grafia antiga)
A família Sena é das mais antigas famílias radicadas em Cabo Verde, ocupando sempre lugares de grande evidência na estrutura social daquele arquipélago. Um dos mais antigos membros, José Pedro de Sena, chegou a Cabo Verde em 1757, como funcionário superior da companhia Grão Pará e Maranhão, fundada pelo Marquês de Pombal no reinado de D. José I, e que tinha o exclusivo do comércio nessa região e vasta área da África e do Brasil. Mais tarde ascendeu a Capitão-Mor da Ilha Brava. Veio acompanhado pelos seus irmãos, Eusébio do Valle Sena e Lucas de Sena.
José Pedro de Sena, por razões políticas, obrigou o seu irmão Eusébio a abdicar do apelido “Sena”. A rivalidade que se instalou entre os irmãos foi tal que Eusébio mandou construir a Capela de Santa Bárbara para que ambos não se encontrassem na Igreja Matriz de S. João Baptista durante os atos do culto. Homem valoroso, fez frente a várias incursões de invasores holandeses, ingleses e franceses à Ilha Brava, notabilizando-se sempre em defesa das suas propriedades, dos habitantes e da ilha.
Deixou vários descendentes, entre os quais sua neta D. Maria José de Sena, que casou com o capitão Francisco Barcelos, valoroso combatente das lutas liberais que se refugiara na ilha Brava. Desse casamento nasceu o capitão-de-fragata e grande historiador, Cristiano de Sena Barcelos, autor da monumental obra “SUBSIDIOS PARA A HISTÓRIA DE CABO VERDE” em seis volumes.
Cristiano de Sena Barcelos foi casado com D Ana Pereira de Sá Nogueira, filha do contra-almirante Rodrigo de Sá Nogueira e sobrinha do Marquês de Sá da Bandeira. Natural da Ilha Brava, foi oficial da marinha e investigador da história da Guiné e Cabo Verde. Realizou numerosas observações náuticas e dedicou-se a paciente crítica de Zurara, Rui de Pina, Damião de Gois, João de Barros e Cadamosto, trabalhos constantes do Arquivo de Cabo Verde, Torre do Tombo, Concelho Ultramarino, Sociedade de Geografia de Lisboa e outras bibliotecas da Europa e Estados Unidos. Possuidor das mais altas condecorações portuguesas, foi membro da Academia de Ciências de Lisboa e outras organizações culturais. Jaz no Cemitério dos Prazeres, ao lado de sua mulher, não tendo deixado descendentes.
Sua irmã, Maria Luísa de Sena Barcelos, é tida como a primeira poetisa genuinamente Cabo-verdiana, senhora de grandes virtudes e influência na Sociedade do seu tempo. Foi uma das fontes de conhecimento para Eugénio Tavares na área da poesia.
Outro irmão, Hipólito de Sena Barcelos, foi médico de grande renome pelas terras da Índia Portuguesa tendo lá morrido com 30 anos de idade.
Por volta de 1860, um membro da família, Sebastião José de Sena, Comandante da Marinha Mercante Portuguesa e Brasileira, casa-se com D. Henriqueta Tavares de Sena, filha de Eugénia Roiz Nozolini Tavares, natural da Ilha do Fogo, descendente de José Pedro de Sena e irmã de Eugénio Tavares.
Deste casamento nasceram os filhos Eugénia, Arminda, Francisco, João, Henriqueta, Amélia e Virgílio, únicos herdeiros biológicos de Eugénio Tavares. Os sete sobrinhos do Poeta, filhos da sua irmã Henriqueta, deixaram mais de uma centena de descendentes hoje dispersos por Cabo Verde, Europa e América.
A família Sena da Ilha Brava está também relacionada com a família Sena oriunda da Ilha de São Vicente; desta última destacam-se alguns membros como Adérito Sena, grande figura do desporto cabo-verdiano; Hermínio Sena, Herói de Mucaba; Licínio Sena, Alector Sena e Lindinha Sena, esposa do Comodoro Duarte Silva.
Os Senas foram essencialmente homens do Mar, no ramo da Marinha de Guerra e Marinha Mercante, excetuando a geração atual.
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